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Ensinamento

Yoga Antigo = Upanishads ≠ Vedas ≠ Vedánta?
Miguel Homem
31-07-2007


Outro dia veio parar às minhas mãos um livro que li em tempos idos. A curiosidade fez-me voltar a folheá-lo.

O livro contém uma cronologia histórica do Yoga semelhante a esta:

Cronologia Histórica do Yoga

Divisão

Yoga Antigo

Yoga Moderno

Tendência

Sámkhya

Vedánta

Período

Yoga Pré-Clássico

Yoga Clássico

Yoga Medieval

Yoga Contemporâneo

Época

Mais de 5.000 anos

séc. III a.C.

séc. VIII d.C.

séc. XI d.C.

Século XX

Mestre

Shiva

Pátañjali

Shankara

Gorakshanatha

Aurobindo
Rámakrishna
Vivêkánanda
Shivánanda
Chidánanda
Krishnánanda
Yôgêndra

Literatura

Upanishad

Yoga Sútra

Viveka Chudamani

Hatha Yoga

Fonte

Shruti

Smriti

Segundo esta cronologia o Yoga antigo, pré-clássico, teria como fonte shruti, aquilo que foi revelado aos antigos sábios védicos, os rishis. A literatura base atribuída a este Yoga antigo (pré-clássico) são as Upanishads. E, na opinião do Autor deste livro, um Yoga antigo assente no Shruti e nas Upanishas é a antítese do Vedánta, e absolutamente incompatível com este.

Mas afinal, o que são as Upanishads? Segundo o famoso dicionário Sânscrito – Inglês de Sir Monier Williams[1] (pag. 201, coluna à esq.), upanishad significa aproximar-se, sentar-se aos pés de alguém para ouvir as suas palavras. Ou seja, sentar-se aos pés do mestre. Ali diz-se ainda que o seu objectivo é a revelação do significado secreto dos Vedas que são vistos como a fonte do Sámkhya e Vedánta.

No entanto, segundo esta cronologia, o Vedánta estaria associado apenas ao Yoga contemporâneo, o que, como já se começou a demonstrar, não corresponde à realidade.

Vejamos agora o que é shruti. Segundo MW (pag. 1101, coluna à direita), shruti é aquilo que foi ouvido ou comunicado desde o início, conhecimento sagrado transmitido de geração em geração pelos brahmans, os Vedas.

Os Vedas são os tratados onde assenta a tradição védica, conhecida como sanatana dharma, o dharma eterno (o que normalmente se identifica com o Hinduísmo). Os Vedas estão divididos em duas grandes partes: o karma kánda e o jñana kánda. A primeira parte, karma kanda, lida com a acção (karma) prescrita para os diferentes objectivos humanos (purushartha) e a ética. Esta é a parte mais extensa. A segunda parte dos Vedas, jñana kánda, é a menor e versa sobre jñanam, o auto-conhecimento. É na parte final dos Vedas que encontramos as primeiras Upanishads, e é a esta parte dos Vedas que o yogí mais se dedica. E quem se debruça sobre o estudo da parte final dos Vedas? O Vedánta.

Vedánta significa literalmente a parte final (anta) dos Vedas (veda + anta). Não se fiem em mim :) Consultem o amigo MW (pag. 1017, coluna à esquerda).

A verdade é que quem quer adquirir o conhecimento das Upanishads, do Yoga antigo, pré-clássico, ouve, estuda, reflecte e medita Vedánta, que é o mesmo que dizer Jñána Yoga. Isto não significa que apenas o Jñana Yoga seja relevante. Todos os yogas tradicionais são importantes e obrigatórios para todos os praticantes. Não se pode excluir nenhum, ou escolher um em detrimento do outro se se quiser, em segurança e confortavelmente, chegar ao objectivo. E todo o yogi, mais tarde ou mais cedo, se cruza com esta verdade ao longo do seu caminho.

Conclui-se, assim, que o Autor da cronologia lavra em confusão ao qualificar o Vedánta como “grave deformação do Yoga”. Por um lado, desenvolve uma teoria de incompatibilidade entre os diferentes darshanas do sanatana dharma (o dharma védico) que vai contra toda a tradição de ensino indiana. Os darshanas não são, nem poderiam ser, incompatíveis porque se debruçam sobre aspectos diferentes do Universo. Os darshanas são complementares! E sobre isso existe abundante literatura.

Por outro lado, o Vedánta é qualificado negativamente de espiritualista, em contraposição à linha seguida pelo Autor, qualificada como naturalista. Ora, eu aprendi e aprendo Vedánta com o Swami Dayananda. O Swami Dayananda aprendeu com seu mestre e asssim segue até Shankaracharya[2] e antes dele. A importância de um mestre vivo de quem o discípulo possa receber o conhecimento é tão importante na tradição que o mantra de invocação da paz do Rg Veda termina assim:

Que Brahman me proteja. Que proteja o professor.
Que Brahman me proteja. Que proteja o professor.
Que haja paz, paz, paz.

O estranho é que nós, espiritualistas, aprendemos com pessoas de carne e osso e o Autor naturalista aprendeu com um mestre, em sonhos. Ao que parece não havia ninguém vivo com competência para o ensinar… O tal mestre aparecia ao Autor em sonhos e a alguns motoristas de táxi :).

Curioso é, ainda, que o Autor afirme que o Yoga que criou é o melhor e mais completo Yoga do mundo. Este yoga de marca registada é uma das diversas modalidades de Hatha Yoga que hoje existem.

Se entrar numa sala de aula e o Professor mandar fazer shirshásana (ficar de cabeça para baixo), paschimottanásana (flexão sentada com as pernas esticadas) ou qualquer posição semelhante que não seja sentada, já sabe que está a fazer Hatha Yoga. Existem hoje várias modalidades de Hatha Yoga. Algumas adoptaram os nomes de mestres e outras não, mas em ambos os casos um Professor competente e honesto irá confirmar que aquela é uma modalidade de Hatha Yoga. Mas não é este o caso do nosso Autor que também aqui se lança numa guerra de distinção entre o seu método e o Hatha Yoga. E entre essas importantes diferenças ficamos a saber que o seu método tem como público alvo “intelectuais, artistas, escritores, cientistas, jornalistas, empresários, executivos, profissionais liberais, universitários e desportistas, na maioria adultos jovens entre 16 e 50 anos, na sua maioria homens e com nível cultural superior e médio”. Já o Hatha Yoga seria praticado por “alternativos, espiritualistas, idosos, enfermos, nervosos, gestantes e senhoras donas de casa, na sua maioria acima dos 50 anos, mulheres e com nível cultural médio e básico”.

O preconceito salta destas palavras do Autor, sem necessidade de se fazer mais comentários.

Aos sem casta, pobres, idosos, mulheres e iletrados, em meu nome e de todos os professores sérios convido-vos a praticarem, estudarem e assumirem a tradição cultural do Yoga. Ela também é para vós!

A verdade, satya, está no início da aprendizagem do Yoga. Satya não significa apenas falar a verdade, mas também não deixar a não verdade impune. Hoje, este é o meu satyavrata, o meu voto de verdade com muita compaixão.

No Yoga, como em tudo na vida, é preciso ter um olhar crítico. Às vezes permanecemos presos a determinadas concepções ou relações, porque julgamos que são o melhor que podemos encontrar e que não existem alternativas. Elas existem sempre! E se existiram para mim, existirão certamente para outros.

Deixo-vos este pensamento do Swami Chinmayananda:

“Vá devagar. Não há pressa. Não acredite cegamente. Questione cada declaração. O seu pensamento independente e entendimento são de importância fundamental. Só então o nosso conhecimento pode revelar quem somos.”

Om asato má sadgamaya / tamaso má jyotirgamaya

mrtyormá amrtam gamaya

Om shántih shántih shántihi

“Que eu seja levado (pelo conhecimento) do irreal para o real; da escuridão (da ignorância) para a luz (do conhecimento); da morte (sentido de limitação) para a imortalidade (a libertação)

Que haja paz, paz, paz.”


[1] Identificado de agora em diante como MW.

[2] Esclareça-se que Adi Shanakarachárya não foi o criador do Vedánta, mas tão só um reformador do Dharma Hindu.


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